Em pouco mais de 1 ano de pandemia, o Brasil e o mundo sempre observaram a subida da curva de novos casos de covid-19 como um preditor do que estava por vir: aumento de doentes graves e mortes nas semanas seguintes. Mas este cenário começa a mudar em países onde a vacinação já avançou significativamente, algo que deve ser uma realidade por aqui também, segundo especialistas.
Ainda que haja um incremento de casos, a tendência é que isso não se traduza em alta, na mesma proporção, de internações em UTI e óbitos. Tal comportamento já são observados em países do Reino Unido e em Israel, por exemplo, que têm mais da metade da população vacinada (veja gráficos abaixo).
Dados do Ministério da Saúde mostram que, até sexta-feira (9), 18,6% dos brasileiros com mais de 18 anos haviam completado o esquema vacinal. Outros 51,8% tomaram a primeira dose.
O professor Expedido José de Albuquerque Luna, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e da área de Epidemiologia e Eontrole de Doenças Transmissíveis do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, destaca o exemplo da Inglaterra, que já atingiu 51% da população com as duas doses.
“Eles estão avançados já na vacinação. E foi demonstrado que existem reinfecções, embora sejam pouco frequentes, e também ocorrem casos em pessoas vacinadas. Porém a vacinação tem tido uma efetividade — a capacidade de proteger as pessoas — principalmente para a internação hospitalar, ou seja, para casos graves e óbitos”, explica.
Isso deve se repetir no Brasil?
Na avaliação de Diego Xavier, doutor em saúde pública e pesquisador do Observatório Covid-19 da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), ao analisar os gráficos de novos casos e mortes, já é possível perceber um descolamento dessa relação cronológica que existia no Brasil.
“Apesar de uma tendência de diminuição de óbitos a partir da segunda quinzena de abril, os casos ainda estão em um patamar muito alto a partir dessa segunda quinzena de abril. Isso nos mostra um descolamento entre a ocorrência de casos e a ocorrência de casos graves e óbitos. Muito provavelmente, já é o efeito da vacinação que está acontecendo”, afirma.
O médico e professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP Eliseu Waldman ressalta que os imunizantes estão funcionando justamente naquilo que era o objetivo primário delas: prevenir casos graves e mortes.
“O que está ocorrendo é que as vacinas estão conseguindo tornar menos graves os casos em que ela falha, vamos dizer assim, no sentido de prevenir a doença. O indivíduo fica doente, muitas vezes é um quadro mais leve, nem se interna. E se interna, vão menos para a UTI e há menos óbitos. Parece que esse tem sido o comportamento, pelo menos nos últimos meses [em outros países]. E aqui no Brasil, em um patamar muito pior, mas a partir de abril”, destaca.
O pesquisador da Fiocruz, no entanto, faz um alerta: “A média móvel que a gente observa hoje no Brasil, tanto para casos como para óbitos, é muito superior a tudo o que vimos em 2020.”
Sendo assim, o risco para os brasileiros diante da pandemia, mesmo para os vacinados, persiste até que se perceba uma redução significativa dos novos casos, garante o especialista. Risco inclusive para o surgimento de novas variantes.
O professor Expedito Luna, da Faculdade de Medicina da USP, afirma que o Brasil falhou no controle da transmissão e aponta outro fator que é preciso levar em consideração.
“No Brasil e em países com populações mais jovens, temos que considerar que a proporção de população mais jovem é maior do que a população de idosos. Então, se a gente não consegue controlar a transmissão da doença e a vacinação ainda está muito lenta para os adultos jovens, vai ter muitos casos. Por ter muitos casos, alguns deles vão ficar piores, vão evoluir para gravidade e alguns vão morrer, infelizmente. Era necessário ter um investimento no controle da transmissão, e o Brasil falhou vergonhosamente neste quesito”, assegura.
Variante Delta, um componente que pode dificultar
A disseminação da variante Delta do coronavírus (identificada inicialmente na Índia), a mais transmissível de todas, provoca uma elevação das curvas de contágio em países onde a vacinação evoluiu rapidamente, entretanto as mortes têm se concentrado entre os não vacinados.
Na última quinta-feira (8), a diretora do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA), Rochelle Walensky, afirmou que 99,5% das mortes por covid-19 ocorridas no país nos últimos meses foram de indivíduos que não tinham sido vacinados.
“Simplificando: em áreas de baixa cobertura de vacinação, os casos e hospitalizações aumentam”, ressaltou Rochelle, ao dizer que a variante Delta já é dominante nos Estados Unidos.
O governo norte-americano enfrenta resistência da população de alguns estados em aderir à campanha de vacinação. Estima-se que 93% dos novos casos nos últimos dias ocorreram em condados com taxas de imunização menores de 40%.
A diretora do CDC disse que a propagação da variante Delta é particularmente perigosa para os jovens. Uma pesquisa do órgão sugere que pode causar doença mais grave entre os jovens do que outras variantes do coronavírus.
O governo de São Paulo considera que há transmissão comunitária dessa variante no estado, uma vez que um residente infectado pela cepa Delta não tinha histórico de viagem ao exterior. Em todo o país, são 16 casos confirmados por análise genética.
Segunda dose antecipada?
A epidemiologista e professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) Ethel Maciel afirma que o aumento do uso de vacinas que conferem um elevado grau de proteção já na primeira dose (Pfizer, AstraZeneca e Janssen), a partir da metade de junho, contribui para uma redução das hospitalizações e óbitos por covid-19 no Brasil.
Porém, ela defende que haja adaptações no intervalo entre as doses se houver uma disseminação generalizada da variante Delta no país.
“Com essa nova variante, é muito importante que a gente tenha o esquema completo de duas doses das vacinas que têm duas doses”, diz, ao sugerir o encurtamento do prazo entre as doses da AstraZeneca de 12 para 8 semanas e da Pfizer para 21 dias, conforme estipulado em bula — atualmente, o Ministério da Saúde adota o intervalo de 12 semanas.
Risco zero de morrer de covid?
O que muitos se perguntam conforme a vacinação evolui no Brasil é quando a vida normal voltará à realidade. Para Waldman, é preciso ter cautela na retomada das atividades.
“Acho que volta ao novo normal, não vamos ter as condições de convivência que a gente tinha antes da pandemia. Mesmo os vacinados vão continuar tendo que tomar cuidado porque, evidentemente, tudo indica que há uma atenuação da gravidade dos casos, mas sempre tem as pessoas que, por comorbidade ou por alguma característica específica dela, as coisas não ocorrem assim. Então, vai continuar tendo óbitos, mas em um patamar mais baixo”, avisa.
Em países com boa cobertura vacinal, é comum que aconteçam mortes por covid-19 entre vacinados. No Brasil, não será diferente, mas o volume de óbitos será “infinitamente menor do que já se viu até agora”, afirma Diego Xavier, da Fiocruz.
“Está se falando muito que estão aparecendo óbitos em vacinados em Israel. A gente espera que daqui a 1 ano todos os óbitos que ocorram sejam em vacinados. Lembrando que nenhuma vacina é 100%. Para você ter 100% de chance de que não vai morrer de covid, é só não pegando a doença. Mesmo entre os vacinados, existe uma margem de confiança ali para a vacina. O número de pessoas que têm vindo a óbito em Israel é extremamente menor do que era antes da vacinação”, explica.
Além disso, sempre haverá uma parcela da população que não está vacinada. Neste momento, são crianças e adolescentes, mas também há os que optam por não se imunizar.
“Nos Estados Unidos, da população acima de 18 anos, 55% já tomaram uma dose e 47% tomaram duas doses. Você tem toda essa população que não tomou vacina ainda e tem os menores de 18 anos. As crianças e adolescentes têm doença menos grave, mas o vírus continua circulando entre eles. Isso coloca em risco principalmente os negacionistas, os adultos e idosos que decidiram não se vacinar”, finaliza Expedito Luna, da USP.
Fonte: R7