quinta-feira, 21 de novembro de 2024

As moças da Lagoa

6, fevereiro, 2024

Quando a gente conta histórias do cotidiano pessoense das décadas de 1950, 1960, até os primeiros anos da de 1970, é de se observar a menor quantidade de reações da parte de conterrâneas da mesma idade, aos fatos narrados. Andar pelo Ponto de Cem Reis, pela Lagoa, morcegar bonde, fazer compra em mercearias, cumprir mandados em geral eram tarefas para os meninos. Afinal, todos tinham de ser homens pois aos homens é que deveria caber a responsabilidade pelo mundo.

Embalados por essa vocação diariamente apregoada em casa e reforçada nas escolas, aos meninos foi permitido acompanhar melhor a evolução física e espiritual da cidade. Desde os 14, 15 anos, por exemplo, podíamos, os meninos, ficar até mais tarde na Lagoa, ao menos os que moravam pelo centro da cidade, onde vicejava um trottoir permanente. Com direito a se apaixonar pelas moças. Três delas, me lembro perfeitamente, chamavam-se Nina, Vera e Lindaci que, pelos meus cálculos de hoje, deviam, na época, estar mais ou menos nas casas de 21 ou 22 anos.

A diferença para nós era grande, não apenas de idade, mas sobretudo de razões para a consumação de desejos. Mesmo nos tempos dos tradicionais cabarés da Maciel Pinheiro, Rua da Areia e Silva Jardim, principalmente, era na Lagoa que as chamadas “meninas de programa” faziam ponto para arranjar fregueses. Na maioria, gente endinheirada, de prestígio na cidade e no estado. Muitos desses clientes tão adolescentes quanto nós. Entretanto, ricos, já de carro e ao volante.

Nas calçadas do Parque, muitas delas viravam a noite. Não eram poucas as confusões em que se metiam essas moças, a vislumbrarem no horizonte de seus próprios futuros exatamente nada. Com certeza, a palavra futuro, quando muito, alcançava a perspectiva das próximas horas, do próximo cliente, da incerta dormida, do próximo café da manhã. O almoço do dia seguinte era algo muito distante ainda. No máximo, elas se permitiam a alguma conversa com a garotada, os pequenos luxuriosos a pé e com hora para chegar em casa, ali mesmo pelos arredores, fixada geralmente em ‘antes das 10’.

Mas seja pela falta de recursos ou de lugar para namorar, elas apenas riam e davam o fora a qualquer proposta mais ousada. Infelizmente, não dava tempo para que pudéssemos avaliar o quão terrível era a prostituição. Estavam ali não por graça. Cuidavam de sobreviver. Sem eira nem beira, apesar de bonitas, Nina, Vera e Lindaci não tinham tempo para quimeras, a não ser a aventura representada pelo próximo cliente. Sem qualquer dúvida, um risco permanente.

De vez em quando, as moças da Lagoa tinham de enfrentar a Polícia, principalmente a Rádio Patrulha. E não raramente servirem aos policiais após as batidas. Dessa forma, a noite de cada garota daquela era sempre um perigo iminente. Hoje, você tem as Delegacias das Mulheres. Antigamente, quando isso não existia, o que campeava era o desrespeito. As mulheres, ou entregues à prostituição ou vítimas de estupro, eram atendidas em delegacias comandadas por homens. O resultado mais comum era o do mais impiedoso desrespeito, da chacota, da violência e, normalmente, da submissão aos desejos dos próprios policiais.

Nunca mais ouvi falar de Nina, Vera e Lindaci. Guardei os nomes pela impressão que elas deixaram na minha juventude concupiscente. Não sei por onde andam hoje. Se vivas, certamente senhoras de avançada idade. Ou mortas, assim como outras tantas que, infelizmente, tiveram na vida apenas a opção de se prostituírem, na luta pela sobrevivência

(Na foto, a Lagoa, cenário da vida profissional de tantas moças que sem perspectiva tiveram de se jogar na prostituição)