quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Castro Alves e Maciel Pinheiro

30, maio, 2024

Há um paraibano (nascido na então Parahyba, atual João Pessoa) muito ilustre e de grande significado para a sua época, chamado Luiz Ferreira Maciel Pinheiro (1839 e 1889), que marcou época na história construída naqueles efervescentes anos de luta pelo ideário republicano, sobre o qual falamos outro dia. Na década de 1860, quando estudava na Faculdade de Direito do Recife, ele foi colega e amigo do poeta baiano Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871), embora em torno de 7 anos mais novo que o paraibano.

Pois bem, ainda na época de estudante, Maciel Pinheiro, homem das letras, dos discursos vibrantes e do jornalismo, inscreveu-se como voluntário e foi lutar na Guerra do Paraguai (1864-1870). Foi então que o poeta Castro Alves, que havia chegado em Recife aos 15 anos, em 1862 (mas que havia recitado sua primeira poesia aos 13 anos, ainda em Salvador, em 1860), para fazer os preparatórios à Faculdade de Direito do Recife, lhe dedicou um poema a celebrar a coragem de Maciel, em várias passagens, assemelhando-o aos grandes heróis da história e da mitologia.

O poema está perpetuado no único livro que o poeta baiano publicou em vida, Espumas Flutuantes. Na sequência, o poema de Castro Alves dedicado a Maciel Pinheiro, na íntegra:
Maciel Pinheiro

Dieu soit en aide au pieux pèlerin (Deus acompanhe o peregrino audaz).
Bouchard

Partes, amigo, do teu antro de águias,
Onde gerava um pensamento enorme,
Tingindo as asas no levante rubro,
Quando nos vales inda a sombra dorme…
Na fronte vasta, como um céu de idéias,
Aonde os astros surgem mais e mais…
Quiseste a luz das boreais auroras…
Deus acompanhe o peregrino audaz.

Verás a terra da infeliz Moema,
Bem como a Vênus se elevar das vagas;
Das serenatas ao luar dormida,
Que o mar murmura nas douradas plagas.
Terra de glórias, de canções e brios,
Esparta, Atenas, que não tem rivais…
Que, à voz da pátria, deixa a lira e ruge…
Deus acompanhe o peregrino audaz.

E quando o barco atravessar os mares,
Quais pandas asas, desfraldando a vela,
Há de surgir-tesse gigante imenso,
Que sobre os morros campeando vela…
Símblo de pedra, que o cinzel dos raios
Talhou nos montes, que se alteiam mais…
Atlas com a forma do gigante povo…
Deus acompanhe o peregrino audaz.

Vai nas planícies dos infindos pampas
Erguer a tenda do soldado vate…
Livre… bem livre a Marselhesa aos ecos
Soltar bramindo no feroz combate
E após do fumo das batalhas tinto
Canta essa terra, canta os seus gerais,
Onde os gaúchos sobre as éguas voam…
Deus acompanhe o peregrino audaz.

E nesse lago de poesia virgem,
Quando boiares nas sutis espumas,
Sacode estrofes, qual do rio a garça
Pérolas solta das brilhantes plumas.
Pálido moço — como o bardo errante —
Teu barco voa na amplidão fugaz.
A nova Grécia quer um Byron novo…
Deus acompanhe o peregrino audaz.

E eu, cujo peito como ua harpa homérica
Ruge estridente do que é grande ao sopro,
Saúdo o artista, que ao talhar a glória,
Pega da espada, sem deixar o escopro.
Da caravana guarda a areia a pégada:
No chão da história o passo teu verás…
Deus, que o Mazeppa nos estepes guia…
Deus acompanhe o peregrino audaz.
(Castro Alves)

(Nas fotos, Maciel Pinheiro e Castro Alves)