Em setembro de 1979, com a ditadura ainda distribuindo as cartas, mas já sem fazer mais muita figura, estreou para o público nacional o filme documentário paraibano, de longa metragem, O País de São Saruê, do itabaianense Vladimir Carvalho, nascido em 1935, e ainda hoje muito produtivo, considerado um dos mais importantes cineastas-documentaristas do Brasil, em todos os tempos. O filme, que no evento ganhou o Prêmio Especial do Júri, foi locado nos vales dos rios do Peixe e Piranhas, no Sertão paraibano.
Gravado entre 1966 e 1971, ele conta histórias da interação entre os seres humanos e o ambiente natural naquele pedaço do Nordeste, enfatizando a batalha histórica contra a aridez, o controle de grandes extensões de terra por poucos proprietários e as condições de pobreza que datam do período colonial. O título do filme é inspirado em folheto do poeta popular guarabirense, Manoel Camilo dos Santos, intitulado Viagem a São Saruê, um país imaginário em que todos têm água, comida e educação, uma utopia acalentada a vida inteira pela sofrida população nordestina.
A estreia nacional de O País de São Saruê, que vivia retido nos obscuros escaninhos da censura ditatorial brasileira desde a sua conclusão, aconteceu em meio à realização do XII Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, naquele final da década de 1970. Por sinal, o filme havia tido sua única cópia apreendida pela censura durante o VII Festival de Cinema de Brasília (1971), quando deveria estrear, provocando vários protestos em meio ao evento. Nesse ínterim, Vladimir teve de rejeitar convite da direção do Festival de Cannes, uma vez que a única cópia da fita estava confinada. Desde 1969 que Wladimir Carvalho vive na capital federal, vinculado à Universidade de Brasília (UNB).
Não sem antes ter convivido com o medo e a clandestinidade, nos primeiros anos da ditadura. O paraibano tem dezenas de filmes documentários, a maioria premiada. Em 2017, a Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), após enquete nacional, relacionou os 100 melhores documentários brasileiros de todos os tempos. O País de São Saruê ficou em 12º lugar. O filme, originalmente rodado em 16mm, foi restaurado em 35mm, e se encontra à disposição de quem queira assisti-lo no Youtube.
Outros detalhes: afora depoimentos de Antônio Mariz (referente ao tempo em que foi prefeito de Sousa) e José Gadelha (da história indústria algodoeira paraibana), o filme tem a narração do inesquecível dramaturgo campinense Paulo Pontes, câmera e fotografia do recentemente falecido professor Manuel Clemente, marcante figura da histórica do cinema paraibano, poema de Jomar Morais Souto, de profícua inspiração literária e membro da Academia Paraibana de Letras, declamado pelo ator Echio Reis, e assistência musical do saudoso maestro Pedro Santos.