A Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) debateu, nesta quarta-feira (27), o direito da gestante optar pela cesariana, parto cirúrgico realizado por incisão no útero. A sessão especial, proposta pela vereadora Eliza Virgínia (Progressistas), reuniu médicos, pacientes, parlamentares e juristas, como a deputada estadual de São Paulo, Janaína Paschoal (PSL).
Eliza Virgínia afirmou que vai reapresentar um projeto de lei para garantir o direito da gestante de optar pelo parto por cesariana, a partir da Resolução 2.144/2016 do Conselho Federal de Medicina, que dispõe que é ético o médico atender ao pedido da gestante por essa via de parto, garantindo a autonomia do médico e a segurança da mãe e do bebê. “É direito da gestante optar pela cesariana, desde que tenha recebido informações pormenorizadas sobre todas as possibilidades com os respectivos benefícios e riscos”, explicou.
A parlamentar mostrou diversos depoimentos de mães que relataram ter complicações pela insistência da equipe médica pelo parto vaginal. “O que queremos não é colocar a paciente contra a medicina, é ir de encontro à cultura do SUS que obriga médicos a tomarem algumas decisões. Se em hospitais privados pode, por que no SUS não pode? Nossa intenção é juntar médicos, juristas e pacientes para defender a vida”, enfatizou Eliza Virgínia.
Exemplo de São Paulo
Janaína Paschoal é autora da lei que garante à gestante a possibilidade de optar pelo parto cesariano, a partir da 39ª semana de gestação, bem como à analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal no estado de São Paulo. “A autonomia do médico é sagrada. O que nos preocupa é que, da maneira como essa ditadura da imposição do parto normal está acontecendo, os médicos também perdem sua autonomia para atingir metas”, explicou.
A deputada defendeu o direito de as mulheres terem acesso a informações claras e não distorcidas. “Não gosto da mentira. Durante as discussões para elaboração do projeto, profissionais afirmaram que a cesariana mata mulheres e bebês. Na saúde suplementar, a maioria dos partos é por cesárea e a mortalidade é menor. Então, não se pode afirmar que cesarianas matam. É essa mentira que a gente tem que desconstruir e dar essa garantia para a paciente e para o profissional”, argumentou.
Janaína Paschoal afirmou que a autonomia dada às parturientes no sistema privado não é respeitada no sistema público, onde “as mulheres são submetidas a humilhações diárias”. “A insistência no parto normal e a teoria mentirosa de que ele é sempre melhor, muitas vezes finda no óbito do bebê. Esse mantra de que a mãe é mais mãe quando tem parto normal, que a mulher é mais mulher quando tem parto normal, é uma ditadura que coloca a vida do bebê em risco. Estamos falando de um procedimento lícito, seguro a partir das 39 semanas. Por que negar isso a quem depende da saúde pública, quando outras mulheres têm essa garantia?”, questionou.
Autonomia da mulher passa por direito à informação
O médico Roberto Magliano, diretor do Instituto Cândida Vargas, concordou que a afirmação de que a cesariana mata mulheres é uma falácia. De acordo com ele, do ponto de vista da segurança, está comprovado que as duas vias de parto são seguras. “O problema do Brasil é que as mulheres decidem a via de parto sem terem recebido informações claras sobre os benefícios e riscos de cada uma”, lamentou. Para ele, é importante que a autonomia das pacientes e dos médicos seja respeitada, para que, juntos, possam decidir sobre a melhor via de parto.
Após apresentar dados que indicam o crescimento dos partos por cesariana no mundo todo, o médico defendeu que a melhor assistência obstétrica não tem relação com as taxas de cesariana. Ele salientou que países de melhor condição socioeconômica, têm incidência baixa de cesarianas. “Não existe uma razão concreta para se ter uma taxa tão exagerada de cesariana no Brasil”, argumentou, discordando da necessidade de se criar uma nova lei para equalizar a situação. A solução, segundo o médico, passa por mais investimentos nos serviços e nos profissionais de saúde, para que possam prestar uma melhor assistência às mulheres.
A coordenadora da obstetrícia do Hospital da Polícia Militar General Edson Ramalho (HPMGER), Dra. Eva Betânia, opinou que, no Brasil, muitas questões só são resolvidas por força de lei. “O direito ao acompanhante teve que ser imposto, porque antes as pacientes eram obrigadas a se internarem sozinhas. O direito a ter uma doula também”, citou a obstetra, reforçando que a autonomia da mulher é um caminho sem volta, e que o bom aconselhamento durante o pré-natal é fundamental para que as parturientes tomem decisões conscientes sobre a via de parto.
A segunda presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba (CRM-PB), Débora Cavalcanti, defendeu a decisão da mulher, de acordo com a segurança médica. “É importante que a mulher tenha seu direito à autonomia, é importante também a valorização do médico. Temos que fazer o que o paciente quer, a partir do momento que não prejudique a vida”, afirmou, destacando a necessidade de debates como este para informar a população leiga sobre o tema.
Já Andreia Correia, obstetra e diretora técnica da Maternidade Frei Damião, concordou que é importantíssimo o respeito à autonomia da mulher. Segundo ela, se uma mulher realmente se organizou para fazer o parto normal, deve-se apresentar possibilidades para que ela passe pelo processo da melhor forma possível. “É imprescindível te qualidade na assistência pré-natal, oferecer possibilidades de vinculação dessa atenção básica com as maternidades que serão a referência, oferecer apoio contínuo às parturientes, disponibilizar a doula, que estará focada nas necessidades da mulher, oferecer boas práticas de assistência ao parto”, disse.
Andreia ainda acrescentou que é preciso refletir sobre o tipo de serviço que se está oferecendo. “É dever nosso respeitar a autonomia da mulher, após informá-la de toda a situação. Se após tudo isso, após oferecer terapias não farmacológicas de alívio da dor, analgesia de parto, e outras alternativas essa mulher realmente desejar fazer a cesariana, é nosso dever respeitar. ‘Obstare’ é estar ao lado. Independente da via de parto, o importante é oferecer uma assistência de qualidade, digna e respeitosa”, pontuou.
O vereador Luís Flávio (PSDB), que também é médico, afirmou que já trabalhou diretamente com obstetrícia quando foi diretor da Maternidade Cândida Vargas e da Frei Damião. Ele afirmou que os avanços na área vão acontecer independente da existência de leis. “Nasci no interior por parto normal e com parteira, mas os tempos mudam. Precisamos falar da assistência pré-natal e da oferta de direitos às parturientes. Temos indicações absolutas, e isso não vamos discutir. Mas existem aqueles casos nos quais a gente pode relativizar as indicações. É um avanço que vai acontecer com ou sem leis, porque a sociedade evolui de uma forma ou de outra. A resolução do CFM existe para resguardar a equipe médica e o direito da parturiente de poder optar pela via de parto que deseja, pois o que elas querem mesmo escutar é o choro do bebê”, afirmou.
Fonte: CMJP