A reforma administrativa, uma das propostas consideradas prioritárias pelo governo, ainda está longe de ser um consenso entre os parlamentares. Em tramitação na Câmara, na fase de debates na comissão especial, a matéria deve sofrer alterações até chegar ao Senado. Enquanto alguns senadores consideram fundamental avançar na mudança da legislação outros defendem o arquivamento do texto.
Para o senador Paulo Paim (PT-RS), que se colocou contrário à reforma, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/2020) apresenta vícios que, segundo ele, são difíceis de sanar, como a ausência de um amplo debate e o que chamou de “contaminação ideológica” contida no texto.
— Quando falamos em reforma, estamos falando de melhorar, aperfeiçoar. A proposta em discussão desestrutura os serviços públicos. Fragiliza servidores tornando-os sujeitos à pressão política. Imagine, por exemplo, se teríamos denúncias como a que ocorreu no Ministério da Saúde recentemente, se o servidor não tivesse garantia de que não seria exonerado do cargo? — argumentou Paim em entrevista à Agência Senado.
Apesar de considerar o tema polêmico e defender um debate mais aprofundado com a sociedade, o senador Antônio Anastasia (PSD-MG), que também é vice-presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, destacou que a proposta de mudança no serviço público é fundamental. Para ele, todos os setores da administração pública necessitam de melhorias substanciais. Por isso, ele acredita que o foco principal da reformulação deve estar centrado na entrega de resultados e na melhoria da gestão pública no Brasil.
— Uma reforma bem feita será boa para o Estado, para os servidores públicos e para os cidadãos, em um modelo que eu tenho chamado de “ganha-ganha”. Esse é o nosso desafio. Essa não é e não pode ser uma reforma para perseguir ninguém. Muito pelo contrário. Tem que ser uma reforma para valorizar o bom servidor, que felizmente é a maioria no serviço público, e para cobrar que o Estado ofereça ao cidadão serviços públicos de melhor qualidade — disse à Agência Senado.
A PEC 32/2020 altera dispositivos sobre servidores e empregados públicos e modifica a organização da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Caso seja aprovada, a reforma teria efeitos para concursos e contratos futuros.
Estabilidade
Um dos dispositivos mais polêmicos é o que trata da estabilidade no serviço público, que ficaria restrita a carreiras típicas de Estado. Uma lei complementar futura vai definir quais cargos se enquadrarão nessa categoria, e os entes federativos poderão regulamentar o tema posteriormente. Os profissionais das demais carreiras serão contratados por tempo indeterminado ou determinado, pelas regras da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) ou como cargo de liderança e assessoramento — todos eles, sem estabilidade.
Na visão de Anastasia, o debate sobre a boa prestação do serviço público e a aplicação de mecanismos para manter o funcionário engajado e preparado seria através da regulamentação da avaliação de desempenho e não com o fim da estabilidade.
— A maioria dos servidores públicos é extremamente preparada e engajada. E, ao contrário do que muitos pensam, a Constituição hoje já dá à Administração instrumentos para combater o servidor que age com desídia [negligência]. Por isso, em vez de pôr fim à estabilidade, defendo a discussão e a regulamentação da avaliação de desempenho, essa sim essencial. Defendo que esse seja o caminho que devemos seguir, no sentido dos avanços já conquistados por outros Países mais desenvolvidos — completou.
Paim também criticou o dispositivo que restringe a estabilidade no serviço público. Em sua opinião, a mudança enfraquece o serviço público, prejudica a população e deixa os servidores públicos ameaçados por perseguições políticas.
— Servidores sem independência funcional facilita a corrupção, desvio de recursos públicos e aparelhamento das instituições — alertou.
Enxugar gastos
Ainda no mês de junho, durante pronunciamento, o senador Confúcio Moura (MDB-RO) defendeu a reforma para tornar o Orçamento da União mais equilibrado e com mais espaço para os investimentos necessários para o país.
Segundo ele, de uma arrecadação anual em torno de R$ 1,5 trilhão, apenas R$ 100 bilhões sobram para investimentos em estradas e escolas, por exemplo. O restante, como afirmou, é usado para o pagamento dos juros da dívida pública, de aposentadorias e pensões e de salários de servidores da ativa. No entanto, o senador destacou, na ocasião, que algumas categorias, integradas por pessoas influentes e com força política e apoio de sindicatos, não abrem mão de seus direitos, o que dificulta a implementação das mudanças que podem ajudar a reduzir os gastos com pessoal.
— Ninguém quer tirar é nada. E como fazer reformas para sobrar dinheiro para investimento para o povo, para [reduzir] a desigualdade para o povo pobre? De duas maneiras: ou você faz uma força parlamentar forte e faz o que deve ser feito, cortando de todo mundo, sem privilégios, ou você vai fazendo cortes progressivos ao longo do tempo. Mas tem de ser feita essa reforma administrativa e outras reformas também, como a tributária e a do pacto federativo.
Já para Anastasia, a reforma administrativa não deve ser focada apenas no resultado fiscal. Ele lembrou que o Congresso está conseguindo avançar na votação do projeto (PLS 449/2016) que combate supersalários de agentes e que a proposta pode representar um “cartão de visitas” para a reformulação do serviço público.
— Porque, sejamos justos, ao contrário do que às vezes propaga o senso comum, a maioria dos servidores públicos não tem um salário alto. Enfermeiros, professores, fiscais, membros das forças de segurança pública. Mas há alguns servidores, poucos, que por falta de regulamentação, ganham muito acima do teto constitucional. E isso não está correto. Por isso essa regulamentação é importante e é, ao meu ver, apenas um dos pontos que precisamos enfrentar nessa reforma administrativa — defendeu.
Debates
Durante o primeiro semestre a Câmara realizou debates entre representantes de várias carreiras do serviço público e representantes do Ministério da Economia. O relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), adiantou após as discussões que deve sugerir algumas alterações ao texto original como a adoção do conceito de carreiras exclusivas de Estado, em vez da expressão “típicas de Estado” e a retirada de artigos que levem à ampliação dos cargos comissionados no serviço público. Ele também chegou a afirmar que seu parecer deve focar mais na melhoria do serviço público do que em “eventuais economias fiscais” e que pretende privilegiar mais “a gestão de desempenho do que a avaliação de desempenho”.
Mas para Paim, mudanças nesse sentido devem ser feitas por projeto de lei e não por emenda à Constituição.
— A avaliação de desempenho é um instrumento importante, mas deve ser debatido em projeto de lei, por se tratar de matéria infraconstitucional. É necessário levar em consideração a realidade de cada Poder e seus respectivos órgãos — ressaltou.
Fonte: Agência Senado
Foto – Ana Volpe/Agência Senado