Há um mês a Seleção Brasileira feminina ergueu a taça da Copa América depois de uma campanha invicta que reafirmou a força e o crescimento do futebol feminino no país. Para marcar essa data, a CBF TV recebe o técnico Arthur Elias para um balanço deste momento histórico e um olhar estratégico sobre o futuro.
Na entrevista, Arthur detalha como foi a preparação da equipe, os maiores desafios superados ao longo do torneio, e elege o momento que considera mais marcante daquela campanha histórica. Também revela como será o planejamento para o próximo ano — com foco na construção de um elenco mais sólido e competitivo — e detalha as ações pensadas para que o Brasil conquiste a primeira Copa do Mundo FIFA feminina em solo brasileiro.
Arthur Elias – Bom, o trabalho, na verdade, começou antes disso. Começamos todo o planejamento para a competição. Claro que a convocação foi o início da preparação com as atletas na Granja. Acho que esse período foi muito importante para nós — uma decisão técnica de não irmos a Quito muito antes do início da competição, por questão de adaptação à altitude. Poderíamos ter optado por isso, mas escolhemos a Granja porque é nossa casa, nosso centro de treinamento, um lugar de muita paz, com toda a estrutura necessária. Temos campos excelentes para treinar, alimentação adequada, um bom descanso para as atletas, quartos confortáveis. Isso facilita o trabalho de todas as áreas, para que possamos oferecer o melhor para as jogadoras. Também aproveitamos algumas atletas que ficariam de fora da Copa América para conhecê-las melhor e integrá-las ao nosso trabalho. Além disso, essa semana foi muito bem aproveitada para alinhar o pensamento do grupo frente aos desafios que enfrentamos.
Sempre é um trabalho fundamental, na preparação e durante a competição. Quando soubemos que a sede seria Quito, com sua altitude, tivemos que fazer preparações específicas, como a suplementação de ferro. Também utilizamos o Respirom, um aparelho que aumenta a capacidade pulmonar. Enfim, várias ações relacionadas à fisiologia, nutrição, psicologia, medicina e preparação física nos ajudam a tomar melhores decisões. Essas ações começaram antes mesmo de irmos para o centro de treinamento na Granja, e lá, continuamos aprimorando a preparação, sempre alinhados ao plano estratégico que já havíamos definido para a competição — como jogar na primeira fase, as possibilidades de mata-mata, otimizando o tempo com um planejamento antecipado. Hoje, o Núcleo de Saúde e Performance trabalha muito próximo à Comissão Técnica. Considero tudo uma coisa só, porque temos reuniões semanais com todos os profissionais envolvidos. Aqui na CBF, no dia a dia, há muitos especialistas da parte técnica, mas o importante é sempre manter um pensamento integrado. Para que a atleta atinja sua melhor performance, ela precisa do apoio de todos.
A preparação em Quito foi bastante curta. Nosso foco foi minimizar os efeitos da altitude, mas sabíamos que ela poderia impactar. Já havíamos estudado a equipe da Venezuela, que cresceu muito nos últimos anos, com jogadoras atuando em ligas fortes na Europa e nos Estados Unidos. Conhecíamos as jogadoras, o treinador — que também é brasileiro — e fizemos uma boa preparação. Durante o jogo, tivemos que identificar algumas estratégias que a Venezuela trouxe, diferentes do que vinha apresentando em outras partidas. Em uma competição, quando você tem um favorito, é normal que os adversários mudem suas estratégias para jogar contra você. Na Copa América, essa mudança é ainda mais evidente, embora, exceto pela Colômbia, muitas equipes mantenham um padrão. Nosso primeiro jogo teve essas dificuldades de adaptação, seja à altitude ou às mudanças na estratégia do adversário. Foi uma vitória justa, sem levar gols, e um passo importante na fase inicial da competição.
Acho que tudo passa por uma clareza sobre o que vamos fazer a cada convocação, por uma compreensão de como trabalhamos na seleção brasileira como um todo. Construímos uma identidade muito forte, que hoje já é clara para todos. Não precisamos ficar repetindo nossos valores o tempo inteiro; eles estão presentes no dia a dia da equipe. Também não precisamos revisar constantemente conceitos básicos do nosso estilo de jogo. Na convocação, reforçamos esses pontos, mas, principalmente, ajustamos nossos planos de jogo de acordo com cada adversário. Nosso método de trabalho inclui todas as jogadoras — seja nos treinamentos, com atenção, informações, participação, ou nos jogos, com oportunidades de serem titulares, de entrar durante a partida, podendo mudar o resultado. Tudo isso pensando sempre no coletivo, na Seleção. As jogadoras se sentem muito bem com esse estilo de trabalho. Nosso grupo tem muita sede de vencer, acredita que a Seleção Brasileira é uma das principais do mundo, entende a responsabilidade que tem e aproveita esses momentos com leveza, alegria e muita confiança.
Eu estou há muito tempo no futebol feminino e vejo que há muitas histórias de cada jogadora, com semelhanças nas suas trajetórias. O trabalho das mulheres no futebol brasileiro, por muito tempo, foi negligenciado e enfrentou muitas barreiras, que ainda existem. Compreender esse processo facilita para que elas percebam que a liderança foca no desenvolvimento real de cada jogadora, que acreditamos nelas, pois eu sempre acreditei no futebol feminino. Isso é algo natural, que não é só meu, mas de toda a comissão técnica e do staff. Esse fortalecimento da confiança ocorre no dia a dia. Já estamos há quase dois anos na Seleção e isso se tornou muito forte. Na Seleção Brasileira, tudo é real e transparente, os critérios são claros. Temos uma estrutura de trabalho e apoio da CBF comparável a outras grandes seleções do mundo. Temos algumas das melhores jogadoras tecnicamente, e o desafio é formar uma equipe organizada e sincronizada, desenvolvendo tanto o jogo coletivo quanto o individual, mantendo a verticalidade e objetividade no jogo. Além disso, há a responsabilidade de vestir a camisa da Seleção Brasileira e o impacto positivo que pode gerar para futuras e passadas gerações.
Para mim, é algo natural. O que passa na cabeça é o foco, aquilo que preciso fazer, a leitura do jogo, as tomadas de decisão e as interferências necessárias. Como treinador, posso agir mais nas substituições, especialmente no intervalo, momentos em que o jogo pausa e podemos conversar com mais calma com as atletas. Ainda que o tempo seja curto, gosto de estar junto, jogando e transmitindo energia dentro de campo, sempre buscando a melhor forma de comunicar à equipe.
Naquele momento, o que importava não era mais uma questão tática, pois já estávamos bem posicionados no final do jogo. Apesar de a Colômbia ter marcado um gol por volta do 87º minuto, restavam cerca de oito ou dez minutos para conquistarmos o resultado. Meu papel era manter as atletas confiantes, incentivando-as a acreditar que podíamos ainda fazer o gol. Nosso ambiente de equipe já tem essa mentalidade, e elas confiam nisso. Sabem que sempre podem virar o jogo, marcar um gol decisivo no final. Por isso, minha função foi reforçar essa crença e motivá-las a tentar, tentar mais uma, duas, três vezes, até o final.
A minha tranquilidade vinha também do crescimento que tivemos durante o jogo — começamos mal, mas melhoramos significativamente no segundo tempo. Mesmo com a derrota na Copa América como uma possibilidade, confio no meu grupo, nas atletas e no trabalho feito até aqui. Sei que um resultado negativo não iria impactar significativamente nossa preparação para a Copa do Mundo. Além disso, histórias grandiosas do futebol, como o gol da Marta, reforçam que momentos como esses vão ficando na memória, independentemente do desfecho.
Acho que foi aquele gol. Para todos, foi algo incrível, quase no último lance, um golaço, com a maior jogadora de todos os tempos entrando no final da partida. É incrível o que temos de oportunidade de viver na Seleção Brasileira. Desde as atletas até eu, como treinador, cada membro da comissão técnica precisa olhar para o que estamos vivendo como uma motivação cada vez maior para fazer a história acontecer. E a Marta sempre fez a história acontecer, para ela e para o futebol brasileiro. É uma história que ainda não sabemos até onde vai. Com certeza, a última Copa América dela, pelo que ela já falou — e imagino que seja assim —, foi especial, e ela fez um gol decisivo, como aconteceu depois de ter sido a melhor jogadora da semifinal e de ter sido eleita. Ela jogou muito bem. E, para montar o time nos outros dois dias, eu não a coloco como titular numa final. Vejo que ela está muito focada e sem nenhuma vaidade nisso, porque ela entende muito bem o trabalho e confia nele, assim como todas as jogadoras hoje. Ela simplesmente se prepara para viver aquele momento, independentemente da duração: seja 90, 45, 10, 15 minutos, como poderia ser, quando entrou, mas foi decisiva.
Acho que isso é uma mensagem muito importante, que reforça o trabalho dela, a maneira como lidou com esses dois dias. E eu nem precisei falar uma palavra com ela — foi incrível. Ficava preparando as jogadoras mais jovens, dizendo: “Olha, vai sair jogando”, “vai fazer isso”, nessas conversas que temos com as atletas, além das coletivas. Essas conversas individuais motivando quem ia entrar já estavam no plano. E, claro, Marta e Guto eram jogadoras que, pelo plano de jogo, a gente queria utilizar mais durante a partida do que como titulares, porque sabíamos que o jogo provavelmente estaria aberto, com muito desgaste na competição, e que poderíamos inclusive jogar uma prorrogação, como aconteceu. Enfim, acho que deu tudo muito certo. Não considero que fizemos a melhor competição em termos de desempenho, mas fomos merecedores, e ela, mais do que ninguém, por ter feito esse gol que marcou, mais uma vez, a história dela e da Seleção Brasileira.
O maior desafio será justamente chegar lá e conquistar a vitória. Precisamos vencer todos os adversários e fazer uma campanha consistente rumo ao sonho de sermos campeãs. Ainda mais considerando a alta competitividade do futebol feminino atualmente, com pelo menos 10 a 12 equipes com potencial de conquistar uma Copa. Como nas Olimpíadas, vejo que várias seleções estão niveladas, e é necessário um ciclo de preparação muito bem planejado para enfrentar essas dificuldades.
Nosso objetivo é treinar e nos preparar bem durante toda a temporada, além de estar prontos para lidar com as circunstâncias que surgirem na competição, que só serão claras lá. Tenho confiança de que estamos no caminho certo, motivados e com uma equipe forte ao meu lado para incentivar as jogadoras, organizar o time e buscar acertos em cada jogo. Contamos também com o apoio da torcida brasileira, que será fundamental por jogar em casa. Não sabemos quanto tempo levará até o Brasil receber novamente uma Copa, seja ela masculina ou feminina. Por isso, estamos determinados a aproveitar esse momento e fazer o melhor possível como representantes da Seleção Brasileira nesse momento.
Fonte – CBF
Foto –Lívia Villas Boas / CBF
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