Embora numa época moralmente rígida, e de raríssimas chances às liberdades de qualquer tipo, a juventude dos anos 1920, 1930 e 1940, em João Pessoa, dava seus pulos e, por isso, viveu seus momentos mágicos. Um deles, era quando a música se espalhava pela praça e as famílias, especialmente rapazes e moças, os mais fascinados pela atmosfera ao redor, iam chegando devagar, ocupando os bancos, conversando em grupos.
Era um programa envolvente, com inevitáveis momentos de sensualidade, revelados em oblíquos olhares, leves trejeitos, indícios no semblante, sinais sedutores que somente eles podiam entender e se deliciar. As bandas de música, do Exército ou da Polícia Militar, apresentavam um repertório variado: dobrados, valsas, modinhas. O coreto, no centro da praça, era o ponto principal. Lá estavam os músicos. Ao redor, as moças passeavam em grupos, e os rapazes se posicionavam mais afastados, observando. Um simples roçar de dedos era motivo de enorme elevação de espírito. Era ali que os namoros começavam.
Não havia outra oportunidade tão livre quanto aquela para jovens se conhecerem. Por isso, os coretos têm grande importância para a libertação feminina. Dentro de casa, a rotina era cheia de limites, sobretudo para as mulheres. Só lhes restavam as janelas. Na retreta, exatamente do que estou falando, era diferente. Ainda que sob vigilância, havia espaço para algum contato, para alguma emoção.
As retretas aconteciam muito na Praça João Pessoa, mas nao somente. Eram comuns também na Praça Venâncio Neiva, a do Pavilhão do Chá, ali pertinho, e em frente a algumas igrejas, como a de São Frei Pedro Gonçalves, no Varadouro, já bem perto de onde a cidade nasceu. Sempre que havia um coreto por perto, ou um ponto mais alto onde a banda pudesse se organizar, havia chance de música ao vivo e de vida social.
Quando a banda tocava a última música, por volta das 21 horas, era hora de ir embora. Aos poucos, as pessoas deixavam a praça. Mas as conversas continuavam em casa, no dia seguinte, nos colégios. As retretas faziam parte da vida da cidade, e deixaram marcas fortes em quem as viveu.
Hoje, o tempo é outro. As praças mudaram, os costumes também. Mas a memória daquelas noites musicais ainda resiste, nas páginas de jornais e revistas mais antigas, em memórias escritas, em livros, ajudando a contar como João Pessoa foi se formando, não só com prédios e ruas, mas com encontros, olhares e músicas que ficaram grudados na alma da cidade.
Na foto, a versão antiga da Praça João Pessoa, com seu belo coreto